A dor soube-me tão bem. Arrastar aquela faca pela minha mão enquanto ela me rasgava a pele, saciou-me de tal maneira que, sempre que me lembro, a dor real rebaixa-se sobre a dor física. Acalma a maior dor de todas. Faz-me voltar a sentir. Da pior maneira ou não, estimula-me os nervos e faz-me chorar por feridas físicas.
Olhei para ela, meio amalucada, meio determinada posei-a e ocorreu-me de que seria a única forma. A única maneira. A minha saída. Quando dei por isso, da minha mão escorriam gotas grossas de sangue. Muito vermelho, muito escuro, Muito. Os meus olhos corriam á volta dele. Quase que saboreavam coisa tão real. Sentei-me bem no meio do chão da cozinha. Verifiquei que o sangue e a dor ainda escorriam pelo meu golpe fundo, fechei os olhos, fechei a mão, pressionei-a com a máxima força que tinha e no final, não pude evitar um sorriso de satisfação. De calma. De alivio.
Ela parou. Ela fez parar tudo. Senti. E como adorei sentir.
Finalmente, levantei-me do chão da cozinha. Levei a mão ao lavatório e lavei o vermelho que a pintava. Vi-o a envolver-se na água pálida e a desaparecer no ralo. Sequei-a no papel de cozinha e estava nova para outro corte. Outro golpe. Estava pronta para me acalmar outra vez. Noutro dia. Noutra vida.